Amontoados de lixo nas ruas, paragens de táxi e mercados são agora um dos principais postais ilustrados de Luanda, uma capital que (como, aliás, todo o país) é governada há 45 anos pelo mesmo partido, o MPLA. Moradores e transeuntes temem doenças e queixam-se da demora na recolha e mau cheiro. O Governo esclarece que a resolução do problema está para breve, apontando que para isso só precisa de mais… 55 anos.
Quem circula por Luanda facilmente vê os montes de lixo, no centro da cidade ou nas zonas periféricas, onde as bermas das estradas se transformaram em lixeiras, que dificultam, em muitos casos, a mobilidade de viaturas e pedestres.
Numa ronda efectuada pela capital angolana, a Lusa constatou que o lixo não é recolhido há semanas em várias zonas. Repare a sucursal do MPLA para a comunicação social (ERCA), bem como o Bureau Político, que quem diz isto agora não é o Folha 8.
Para combater o cheiro e os vermes que ali nascem, atear fogo aos resíduos é muitas vezes a solução, apesar dos fumos causarem também problemas. Grande parte das lixeiras a céu aberto, sobretudo nas vias principais e secundárias, não tem contentores de pequeno ou médio porte e os que ainda resistem estão a transbordar de tanto lixo.
Moradores, transeuntes, vendedoras e automobilistas lamentaram a actual situação, que de facto é mais ancestral do que actual, e afirmaram recear doenças, sobretudo nesta época chuvosa, neste cenário pintado de cores tristes.
“O é muito preocupante, sinceramente, porque é um atentado à saúde pública e neste contexto já estamos muito saturados, estamos desgastados devido ao lixo, porque não temos mecanismos de como tirar o lixo e estamos quase abandonados”, contou à Lusa um morador há quase 40 anos no bairro Campismo, no município de Cazenga.
Cândido Zongo afirmou que os moradores da zona dizem ter sido “abandonados pelas autoridades”, porque vários contactos já foram feitos no sentido de se remover o lixo, à entrada do bairro, mas a situação arrasta-se há semanas.
“O lixo está aqui já há um bom tempo, vai a caminho de duas ou três semanas, já não há locais para depositarmos e se não houver intervenção do Estado vai criar mais transtornos. É um lixo que está já a fechar as vias para circulação de pessoas e viaturas”, lamentou.
Crianças e adultos naquele bairro e noutros pontos de Luanda encontraram no lixo uma fonte de subsistência, até para conseguirem alguns brinquedos, disse uma moradora do Campismo Anacleta da Silva Bungo, que disse recear as doenças associadas à época chuvosa.
“Isso é extremamente complicado devido às doenças como a cólera e o paludismo, porque daqui saem muitos mosquitos. A lixeira aqui está já há muito tempo e também precisamos de contentores para poder depositar o lixo”, frisou.
No município do Cazenga, um dos mais populosos de Luanda, moradores recorrem às valas de drenagem para depositar o lixo por falta de contentores.
Quem circula pela estrada nacional n.º 100, conhecida como estrada direita de Cacuaco, no norte de Luanda, facilmente vislumbra, durante o percurso, os amontoados de lixo no chão, sendo também marcante a ausência de contentores.
Na vila de Cacuaco, município com o mesmo nome, a acumulação de resíduos também está a ganhar contornos preocupantes e quem ali busca o pão do dia, como Delfina Chicalanga, que vende máscaras faciais à entrada do bairro da Pedreira, narra as dificuldades para ali se manter.
“O lixo aqui está demais, os carros passam, podemos falar e [não fazem] nada, temos a pressão do lixo e dos fiscais e trabalhamos em plena corrida” disse à Lusa.
A vendedora ambulante também manifestou receios associados à insalubridade. “Daqui a pouco vão atear fogo nesse lixo e depois passamos mal com a fumaça”, sublinhou.
Já o moto-taxista Orlando Leonardo queixou-se igualmente do cheiro e do amontoado de lixo na vila de Cacuaco, afirmando que a situação, que considerou “prejudicial para a sua saúde e a dos passageiros”, persiste desde o ano passado.
“Mesmo com contentores, o lixo fica sempre no chão e não é removido. É complicado, não sei o que se passa, mas o Governo tem que olhar para este lado”, exortou.
Na passada semana, a governadora de Luanda, Joana Lina, reconheceu a preocupante situação dos amontoados do lixo na capital angolana, garantindo encontrar mecanismos para rapidamente ultrapassar a situação. Reitera, assim, o que o seu partido, o MPLA, promete há 45 anos.
Em Dezembro de 2020, Joana Lina suspendeu o contrato com seis operadoras de limpeza e recolha de resíduos, por incapacidade de suportar o pagamento contratual, indexado ao dólar, em kwanzas, face à acentuada desvalorização da moeda angolana.
Algumas empresas removeram assim os contentores dos locais onde recolhiam os resíduos, que estão agora a ser depositados no chão em muitas ruas e bairros.
Espelho rigoroso da governação do MPLA
O Ministério do Ambiente de Angola (que também é da Cultura, Turismo) tem por missão propor a formulação, conduzir, executar e controlar a política do Executivo relativa ao ambiente numa perspectiva de protecção, preservação e conservação da qualidade ambiental, controlo da poluição, áreas de conservação e valorização do património natural, bem como a preservação e uso racional dos recursos naturais.
Este ministério anunciou em Julho de 2017 que ia contratar a empresa China Harbour Engineering Company (CHEC) para construir, em Luanda, uma fábrica de reciclagem de resíduos sólidos, num investimento público de 195 milhões de dólares (170 milhões de euros).
Terá sido apenas branqueamento eleitoral para a velha máxima popular que define o regime: O MPLA é o lixo, o lixo é o MPLA?
De acordo com um despacho governamental, a reciclagem a fazer nessa fábrica permitiria ainda gerar energia a partir daquela unidade, cabendo aos chineses da CHEC a sua construção e apetrechamento.
O documento, assinado pelo então Presidente, com data de 11 de Julho e que autorizava o Ministério do Ambiente a avançar com o negócio, justificava o investimento ainda com a necessidade de se construir o aterro sanitário da cidade do Kilamba – centralidade construída de raiz nos arredores de Luanda -, e “simultaneamente responder à problemática da capacidade de tratamento dos resíduos produzidos diariamente na cidade de Luanda”.
O Ministério do Ambiente e a empresa CHEC assinaram, em Luanda, um memorando de trabalho referente à construção de aterros sanitários, no âmbito do plano estratégico de gestão de resíduos, informou fonte governamental.
O Governo do MPLA (é assim desde 1975) previu, prevê e previra a construção de aterros sanitários em todas as 18 capitais de província do país, até 2020, sete dos quais em fase de execução, informou em Outubro de 2016 a então ministra do Ambiente, Fátima Jardim.
A governante falava no final da reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real do Conselho de Ministros, que aprovou o Plano Estratégico para a concretização do Modelo de Aterros Sanitários no país. “Não podemos continuar com as lixeiras”, enfatizou na altura a ministra do Ambiente. Vê-se…
De acordo com Fátima Jardim, já estavam em curso os processos para a construção dos aterros nas províncias de Cabinda, Huambo, Cuando Cubango, Huíla, Malange, Cuanza Norte, além de Luanda, servindo esta última de modelo para o plano. No total seriam construídos 20 aterros sanitários em todo o país.
No âmbito deste plano, cujo investimento não foi revelado, a população também seria alvo de campanhas de sensibilização para a separação de resíduos e seu reaproveitamento, através de novas indústrias de reciclagem.
De igual forma seria desenvolvido um modelo de actuação para as empresas que vão assegurar a recolha e tratamento de resíduos sólidos, através de contratos de concessão, à semelhança do que acontece em Luanda.
“Isto é um repto que vamos ter até 2020, temos tempo para pensar positivo. Mas temos sobretudo tempo para melhorar a prestação de serviços, a qualidade de vida das populações e também o desempenho institucional dos envolvidos na gestão dos resíduos urbanos”, apontou Fátima Jardim.
O modelo assentava em três aterros sanitários só em Luanda, província com mais de sete milhões de habitantes, e com a concessão da recolha a empresas públicas e privadas, adaptando-o para as restantes províncias.
Em declarações à agência Lusa, em Março de 2017, o director do Ambiente, Gestão de Resíduos Sólidos e Serviços Comunitários do Cacuaco, Martinho Jerónimo, esclareceu que as enormes quantidades de resíduos sólidos que se registam no litoral do município surgem pelo escoamento das valas de drenagem, que desaguam nas praias.
“São quatro valas de macro drenagem, que cortam o distrito sede vindo uma do município do Cazenga, outra do Sambizanga e duas dos distritos dos Munlevos e da sede, das quais os resíduos sólidos jogados nessas valas encaminham todo para a orla marítima do município. Porque o mar recebe com a força das águas da chuva e depois faz o processo de inversão”, explicou.
O regime do MPLA está constantemente com os tambores da falsidade aquecidos para, numa poluição sonora, de muito má qualidade e que intriga a maioria dos angolanos, tentar branquear os 45 anos de uma política de má gestão económica e social, discriminação política, perseguição aos opositores e sociedade civil, não bajuladora e, mais grave, a lixeira de uma política irracional, que já não consegue sair dos monturos por si implantados.
Por mais que, depois de Eduardo dos Santos, João Lourenço tente sacudir o lixo para o quintal do vizinho, exonerando governadores e exarando em catadupa decretos e despachos, todos, absolutamente todos, os governantes por ele nomeados ficam em cima dos contentores, a analisar a lixeira do lixeiro que se segue.
Não é possível tentar enquadrar o tamanho do lixo que inunda Luanda, fora de uma prática incompetente do executivo, superiormente liderado pelo MPLA mas – como no resto – sem noção de gestão urbana e que cometeu ao longo destes anos erros crassos de gestão, afastando muitos técnicos, oriundos do período colonial, com forte conhecimento da gestão urbana da cidade e das formas para um saneamento eficaz e despartidarizado.
O maior mérito da política do MPLA tem sido a promoção de “jobs for the boys”, muitos dos quais verdadeiramente incompetentes, mas por serem bajuladores do “camarada presidente”, são nomeados, não para acabar com o lixo, mas para a sua verdadeira promoção.
Uma máxima que o MPLA tem perseguido ao longo dos anos é a de que o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA, mas face à incapacidade de não acertar numa política de limpeza e recolha do lixo das cidades, resolveu incentivar a sua produção em larga escala, para justificar a subida dos níveis de produção de 1973, ano de ouro da governação colonial portuguesa e que foi sempre um marco para ser superado pelo MPLA e desta forma legitimar a nova máxima: O MPLA é o lixo, o lixo é o MPLA.
O aumento do lixo, a incapacidade de pagarem às empresas dos próprios membros do MPLA, pois são os únicos autorizados, nesta empreitada demonstra que a discriminação só gera lixo, lixo que afinal o MPLA sente como um verdadeiro elemento imprescindível da sua gestão.
Se o anterior Presidente da República era avesso a um verdadeiro programa de gestão autónoma das cidades, principalmente no que se refere à capital, sendo confrangedora a falta de visão sobre o que se pretende que seja a Luanda capital; a Luanda Metropolitana ou a Luanda Província, o actual (sendo um produto desse mesmo MPLA) segue-lhe os ensinamentos.
E numa altura em que o lixo é o que mais ordena, nada espanta que tudo seja uma verdadeira lixeira, ao ponto da política e da justiça serem hoje o seu expoente máximo.
Luanda, com uma população estimada em oito milhões de habitantes, gasta mensalmente cerca de oito mil milhões de kwanzas para a recolha diária de mais de 200 mil toneladas de lixo. As contas são do Jornal de Angola (JA).
Com apenas o aterro sanitário dos Mulenvos em funcionamento, a questão da recolha e deposição dos resíduos sólidos tem sido problemática. A agravar a situação estão os atrasos sistemáticos nos pagamentos às operadoras de recolha de lixo, que não raras vezes recorrem à greve para reivindicar ao Governo Provincial de Luanda o pagamento dos serviços prestados.
Especialistas em gestão ambiental consideram que o lixo, que é hoje um grande problema para Luanda, em particular, e o país, em geral, devia, na verdade, ser a solução desses problemas. Em outras geografias, o lixo é riqueza disputada por empresas de topo. Os maiores milionários das grandes cidades da América Latina, por exemplo, têm na gestão sustentável do lixo a sua fonte permanente de riqueza.
E o que é que se passa em Angola para que o lixo não seja também uma fonte de renda e emprego sustentáveis?
O primeiro grande problema está na não especialização das operadoras de recolha de resíduos sólidos, com o lixo a ser transportado para o aterro sanitário sem a prévia separação. Noutras geografias é, rigorosamente, proibido colocar o lixo num só contentor, como acontece em Angola. Os cidadãos começam a separar o lixo a partir de casa. O lixo orgânico, o papel, o metal, o vidro e os plásticos são depositados em contentores próprios, o que facilita o processo de reciclagem.
Se as operadoras fossem obrigadas a instalar contentores para a separação dos resíduos sólidos, seguramente que as pessoas que recorrem aos contentores para a recolha de garrafas de lata e de plástico, assim como materiais ferrosos, para vender, realizariam o seu trabalho com menos riscos à saúde, que hoje, com a pandemia da Covid-19, são enormes.
Por outro lado, neste processo de compra e venda de resíduos sólidos, num mercado ainda não regulamentado, quem dita os preços, como é evidente, são os compradores. Aqui chegados, é fácil concluir que o lixo, além do lado ambiental, tem o lado social. Centenas de famílias dependem deste negócio, que devia merecer uma atenção especial das autoridades.
É preciso adoptar a recolha selectiva para que o lixo não seja um problema, mas a solução de uma parte importante dos nossos problemas sociais e ambientais.
Folha 8 com Lusa